# 3. O Buda na xícara de chá
Viver de uma forma contemplativa é enxergar o Buda na mesa do café da manhã
Oi. Como vai por aí?
Por aqui comecei um experimento: meditar todo dia. Como sou ruim para disciplinas, criei três regras: 1) sem falta; 2) no mínimo meia hora; 3) de manhã.
Há dias em que flutuo da cozinha para a almofadinha e tudo vira luz. Há outros em que rastejo, ruminando um ódio silencioso contra as forças do universo que inventaram a ideia de me botar sozinha com essa criatura selvagem, louca e desgovernada - eu mesma.
Um mês depois de começar tive um insight. Descobri que o Buda está sempre me esperando.
“Não cozinhamos para ter o que comer. Não lavamos a louça para ter pratos limpos. Cozinhamos para cozinhar e lavamos a louça para lavar a louça”. Era para isso que o ensinamento do Thich Nhat Hahn aponta. Em vez de tomar a vida de um jeito utilitário, fazendo uma coisa pra conseguir outra no futuro, o corpo, essa máquina maravilhosa, continua aqui, rebelde e viva, respirando no presente. Onde o Buda está.
Somos ensinados a viver num estado de guerra permanente contra o tempo. Fazer o máximo, melhor, três coisas por minuto, terminar antes do próximo segundo. Atrasados, essa é a nossa condição. E aí bum, a vida passa.
Mas o que acontece se eu parar a roda só por uns minutos?
Acontecem os montros, os sonhos e a lista de compras. Eu respiro, passa o caminhão do lado de fora, chega uma mensagem no telefone, fico ansiosa, depois outra mensagem, eu respiro. Tenho vontade de ir embora, medo de pegar doença, penso no trabalho que ficou faltando terminar. Eu respiro. Passou, já não lembro do ultimo pensamento. Eu continuo aqui.
Embaixo da unha, dentro da fronha, nas folhas do tomateiro, no pote de sal. Eu respiro. O Buda comendo um sanduíche de pão com queijo, em cima da escrivaninha, andando no jardim, trocando de saia.
Buda dentro da xícara, saindo pela fumacinha do café do leite, no lascado da porcelana. Eu respiro. O Buda ascendendo aos céus.
Pequenas coisas lindas
- O monge zen Thich Nhat Hahn tem um exercício sobre estar presente com alguém. É assim: abrace uma pessoa por três respirações. Agora o mundo é esse - só você e esta pessoa. Toda a sua atenção está ali. Depois das três respirações, desfaça o abraço e deixe aquele momento passar.
-Ainda não encontrei um livro melhor do que O poder do agora para apresentar o tema da presença consciente. Sim, o título é terrível (quer dizer, eu acho), mas a parte terrível termina aí.
- O que aprendi com o silêncio é um vídeo da Márcia Baja no qual ela apresenta alguns aspectos do que significa levar uma vida contemplativa na época contemporânea. Ela, que foi uma grande inspiração no última mês, está com um curso para começar no dia 14 de agosto com a proposta de enxergar e realizar práticas de integração do corpo ao silêncio do ser. Informações aqui.
with a fresh young leaf
I wish to brush away
tears of his benevolent eyes
com uma folhinha
quero limpar
as lágrimas dos seus olhos
Basho (1644-1694).
A tradução para o português é uma releitura minha não literalíssima mas cheia do que desejo para todos nós nesta etapa da nossa existência. Como tudo que surge diante de nós, isto também. Vai passar.
Ah! E que todos vocês sejam felizes, sempre. Até a próxima,