Às vezes a gente perde algo precioso.
Um casamento, uma amizade, o livro que emprestamos e nunca voltou.
Quase sempre a gente perde algo precioso.
E inevitavelmente tudo que é precioso vai nos deixar quando a misteriosa hora acontecer.
A gente perde, mesmo achando que as conquistas batalhadas são sólidas, e boas, e que a estrutura funda na terra é garantia anti-perda.
Tipo aquela casa da história dos três porquinhos.
Na minha imaginação existe uma casa, a última casa da historinha, que é um lugar indestrutível.
A última casa é feita de um material tão resistente que nem o vendaval mais sinistro pode derrubar.
Pergunto-me se a casa dos três porquinhos existe.
Se há algo neste mundo que jamais mudará.
Se quando os quadros estiverem voando
e a chaleira os copos as mesas
se quando as coisas ficarem difíceis, muito difíceis mesmo
e pelos ares o vento carrregar as paredes e os sonhos e as memórias boas
se vai continuar existindo um teto flutuante e seguro no qual poderei me refugiar.
Semana passada comprei uma estátua de Buda para colocar no jardim.
Ele é lindo, branco como Vajrasatva, num alvor que salta aos olhos pelo contraste com o seco-argila do Alentejo.
Fazia tempo que eu queria colocar um Buda no jardim. Ele se anunciava no quintal através do meu desejo - já o via mesmo antes de encontrá-lo.
Pesquisei por aí, mas estátuas de Buda são caras e eu estava meio sem grana. Com tanta coisa urgente, por que gastar numa escultura?
500 euros, 700 euros 1000 euros, não dá não dá não dá.
Enquanto o Buda não chegava, decidi plantar flores em volta de onde seria colocado. Plantei dois pés de hibisco que estavam tristes num vaso.
Não é época de plantar, menina, aqui no Alentejo não se planta no verão
, alguém me falou.
Desobedeci.
Mesmo no calor de 40 graus, os hibiscos foram transplantados para a terra sem qualquer trauma e reviveram, miraculosamente
, imediatamente.
As plantas, elas também ficam felizes esperando a chegada do Buda.
A mágica existe. O milagre habita o coração dos seres o tempo todo, invisível.
O Buda chegou assim que as plantas firmaram.
Encontrei-o numa loja de cerâmica a caminho da praia de Milfontes. Não era o maior, mas era o mais bonito de todos e com um preço que eu podia pagar.
Coloqueio-o no quintal.
Ele dá para o oeste, onde fica a lendária terra pura de Sukavati. Nas suas costas está o ashram onde vivi e onde também vive meu professor mais próximo. Quando olho para o Buda, também olho para o ashram e para o meu professor.
Já o Buda tem olhos fechados, então olha para o Grande Mistério.
Você pode fazer uma plataforminha e cimentar meu Buda em cima?
pedi ao pedreiro que terminava de fazer uma obra no banheiro.
É que nossa casa fica no alto do morro, perto do moinho. Tudo que não está bem preso o vento carrega.
Luís achou estranho
mas e Cristo? Vocês não acreditam em Cristo lá no Brasil?
Respondi que do lugar de onde venho aprendi que tudo é uma forma de Deus. Gosto de Cristo. Mas é que quando vejo o Buda eu sinto calma, e esta calma me lembra que Deus é uma luz que já vive no coração de todos.
Ele achou bonito e decidiu que seria o padrinho do Buda. Preparou massa fina de cimento num carrinho de mão e espalhou com a colher de pedreiro, afagando com cuidado
com muito cuidado
a plataforma do Buda tem que ficar linda e
perfeita, Surina. Assim que terminou, pediu que eu posicionasse a estátua na massa fresca.
Entrei em casa e depois saí para o jardim com o Buda no colo, feito um bebê.
Luís benzeu o Iluminado com o sinal da cruz; logo em seguida o colocamos na plataforma especial.
Achei aquilo incrivelmente bonito, incrivelmente sensível, incrivelmente verdadeiro.
Agora você é o padrinho. Quando estiver passando aqui, você sempre pode deixar uma florzinha pra ele; acho que o Buda vai gostar.
Ele respondeu que era uma boa ideia.
Na minha imaginação existe uma casa, a última casa da história dos três porquinhos, que é um lugar indestrutível.
A última casa é feita de um material tão resistente que nem o vendaval mais sinistro pode derrubar.
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Ah! E que vocês sejam felizes, sempre. Até a próxima,
Que delícia começar o meu dia lendo este texto. Que forma poética de praticar nossa fé, mostrar que tudo vem de desta força maior.
A minha última casa,a indestrutível, está dentro de mim. E quando tudo parecer desabar eu volto pra dentro de mim, tal qual, um caranguejo se protegendo dentro da casca. Obrigado ✨
🌷