Não sei.
Sentada na minha escrivaninha de infância, observo da janela da casa dos meus pais as pessoas fazendo exercício no parque. É um bairro da periferia. No parque há casais, gente com cachorro e o cara de cabelo platinado que corre aqui há 25 anos.
Meu preferido é um senhor de bicicleta. Sem camiseta e de máscara, ele tira as mãos do guidão e vai fazendo polichinelo enquanto dá mais uma volta às 8 da manhã. Meu namorado britânico fica nervoso, pode dar acidente, por que ele tá fazendo isso?
Encho o peito e explico, do alto da minha expertise:
- Não tenho a mínima ideia, baby.
O mundo inteiro se abre. Como não sei, as respostas agora são infinitas. Está fazendo isso porque gosta. Está fazendo isso para se aliviar da artrite. Talvez ele nem saiba por que está fazendo isso. Acordou mais cedo e decidiu fazer polichinelo na bicicleta.
Não sei é uma frase cheia de milagres. Para Shnryu Suzuki, autor de Mente zen, mente de principiante, se conhecer é se abrir. Em vez continuarmos encolhidos em julgamentos conclusivos de quem já conhece o final, o melhor é entrar no campo inocente e imprevisível que cada situação traz. "Há muitas possibilidades na mente do principiante, mas poucas na do especialista que acha que sabe."
A plasticidade da mente aumenta quando aceitamos a incerteza, por isso acho que fazer as pazes com o maravilhoso Não Sei é tão importante. Seguro de casa e de vida, metas e dieta - criamos um mundo para não ter que encarar o vazio da insegurança. Na tradição oriental, por outro lado, contemplar a morte e a impermanência estão no próprio coração de uma existência lúcida.
- Amanhã vocé vai estar aqui?
- Na verdade eu não sei.
É que se você olhar bem de perto, se você olhar muito de perto, se você olhr por dentro das estruturas mais complexas dos átomos que constróem o tecido da vida, vai ouvir esta voz
: estamos sempre à beira de uma tragédia ou de um bilhete de loteria premiado.
Ando muito feliz de redescobrir o Não Sei. Ele me deixa muito leve, é a frase mágica que me permite celebrar o pacto silencioso de ser navegada pela experiência. Deito na cama, fecho os olhos. Lembro da história que uma monja budista me contou na Índia em 2019, e que era mais ou menos assim:
Aconteceu um dia durante o meu retiro. Acordei irritada, fazia frio, não encontrava uma posição confortável para ficar. Passei o dia inteiro assim. Tentava meditar mais, tentava deixar o negócio melhor, mas nada adiantava. Foi aí que veio o insight. Respirei fundo e disse, em voz alta
- Está tudo ruim mesmo
Não sei se adiantou alguma coisa. Mas acho que foi ali que comecei a melhorar.
Abra sua mente, ligue o ventilador
- Quando tudo se desfaz é um livro escrito pela monja canadense Pema Chodron. Com uma linguagem acessível tanto para budistas quanto para não-budistas, Pema reflete sobre a importância da falta de chão como ponto de partida para a vida consciente e a profunda transformação espiritual. Você pode ler um capítulo do livro gratuitamente aqui, no site d'O Lugar.
- Neste vídeo de menos de 8 minutos intitulado A Arte da Impermanência (legendas em português) a monja tibetana Tenzin Palmo fala sobre a transitoriedade da vida desde o ponto de vista do budismo.
- Aprenda uma técnica muito eficiente de relaxamento em sete minutos e vinte e oito segundos com Mr. Jelly (só em inglês).
"O Buda ensinou que a causa do sofrimento não é a impermanência em si nem o fato de que sabemos que vamos morrer, e sim a nossa resistência à incerteza fundamental que faz parte da nossa situação. Nosso desconforto vem dos esforços que fazemos para colocar chão embaixo dos pés, para realizar nosso sonho de um costante 'tudo bem'. Quando resistimos à mudança, o nome disto é sofrimento. Mas quando nos entregamos sem resistir - quando abraçamos a falta de chão que é inerente e relaxamos dentro da sua natureza dinâmica, o nome disto é iluminação ou o despertar para nossa verdadeira natureza, a nossa bondade essencial. Também podemos chamar de liberdade - nos libertamos do esforço em resistir à ambiguidade fundamental da nossa condição humana."
(Tradução livre do artigo The fundamental ambiguity of being human, Pema Chödron, 2012)
Ah! E que todos vocês sejam felizes, sempre. Até a próxima,