# 2. O jardim das plantas carnívoras
Minha mente é um bairro esquisito que eu tenho medo de visitar
Oi, tudo bem?
Nos últimos três meses fiz duas coisas: escrever e cuidar do jardim.
Comecei com um vaso de babosa, depois expandi para suculentas. Saí plantando melão, melancia, tomate, a horta ficando cada vez mais cheia agora que o vizinho me ensinou a regar.
Quanto a escrever, o manuscrito do meu romance cresceu nesse tempo, mas não como eu tinha planejado. Quando dei um passo mais fundo na história a primeira crise veio. Manhã de verão, eu aqui tomando um café com leite na varanda e de repente não conseguia mais enxergar, a pulsação nas alturas. Vou morrer? Ficar louca?
Parecia aquela cena de Laranja Mecânica em que o personagem é forçado a ficar de olhos abertos assistindo imagens de explosão nuclear.
Respirei fundo, concentrada no corpo pra ver se ele me trazia de volta. Juntei meus 8 anos de meditação e fui respirando pra fora do pânico muito, muito devagar. Quinze minutos depois as ondas da arrebentação passaram, o mar se acalmou e concluí minha descoberta
: em mim há um jardim de plantas carnívoras.
Minha mente é um bairro suspeito que tenho medo de visitar, um monge budista velhinho me confessou em 2019. A crise de pânico me mostrou o óbvio tão lindo de que escrever todo dia é marcar um encontro com a minha mente, incluindo os monstros desconhecidos que vivem nela.
São tempos de luto e acho que é normal sentir medo. Fazemos o luto das pessoas que partiram por causa do COVID, do mundo que existia antes da pandemia, de uma ideia de futuro. Daqui, faço o luto da distância, de não poder ver família e amigos no Brasil, de temer que adoeçam sem que eu tenha chance de me despedir.
Enquanto isso as melancias vão crescendo. O livro também vai crescendo nas sessões diárias em que medito na frente da horta, do altar e do arquivo de Word. As páginas nascem da noite funda, com palavras que só a tangibilidade da morte e o hábito da escrita me mostram. Escrevo com os monstros da minha mente, não apesar deles, e assim o livro vai se transformando em algo diferente.
Estamos aqui, vivos. E tudo que vive respira do seu jeito.
Livros & outras coisas lindas
Lidar com o medo é o tema da vez, por isso:
- Esse vídeo maravihoso do Thich Nhat Hanh (monge da tradição Zen) explica como tratar emoções aflitivas desde a perspectiva zen budista. Com menos de 10 minutos e muito prático, me ajudou a atravessar as crises de pânico respirando.
-Produzido pela Ana Rüsche, Thiago Ambrósio Lage e Vanessa Guedes, Incêndio na Escrivaninha é um podcast “sobre livros e o mundo”, como eles o definem. No episódio sobre morte, que foi ao ar em março, a médica e convidada do programa Laura Muller fala sobre o luto com muita liberdade e delicadeza a partir da sua experiência tratando de pacientes terminais.
- Quando tudo se desfaz ("When things fall apart", em inglês) é uma reflexão da monja budista Pema Chödron sobre a importância de lidar com o sofrimento incorporando-o ao caminho de auto-descoberta. Quando tratada de uma perspectiva sábia e compassiva, a dor pode nos despertar para a conexão com outros seres e com a nossa própria sensibilidade, nua e sem máscaras, diante da existência. Era um dos livros preferidos do Lou Reed e um dos meus livros de cabeceira também. Você pode encontrar um trechinho dele traduzido para o português aqui no site d'o lugar.
A Noite com lótus...
... foi uma imagem que surgiu na minha mente, inteira e prontinha, na semana em que as crises de pânico estavam mais fortes e aconteciam todo dia. Ela me lembra a iconografia japonesa e como todas as minhas ilustrações traz um Enso – o círculo feito de uma pincelada só que representa a mente Iluminada. Duas flores de lótus se levantam no meio da noite, as pétalas fininhas soltas naquele escuro imenso cheio de estrelas. Nós, humanos, dentro do Grande Mistério.
Ah! E que todos vocês sejam felizes, sempre. Até a próxima.