Desejo pintar o Buda Amithaba há pelo menos três anos, mas foi só depois de um retiro no começo de abril que finalmente coloquei o sonho no papel.
Foi um retiro curto e lindo. A professora que o conduziu era uma mulher elegante, lindíssima mesmo. Vestia-se com uma ternura firme que só aqueles que já percorreram as profundezas da própria mente têm. Os grandes praticantes são assim: vão até as trevas e depois retornam à superfície trazendo a luz do Buda mais acesa do que nunca.
Ela contou muitas coisas sobre Amithaba. Disse que não era sufuciente praticar ou repetir seu mantra. Importante, mesmo - talvez o mais importante -, era fazer amizade com ele. Reconhecê-lo, apreciá-lo, respeitá-lo, encontrá-lo no corpo e nos pensamentos. E usou minha palavra preferida, que também já foi título de um livro da Patti Smith e de outro da Mary Oliver
: Devoção.
-Um bom jeito de nutrir devoção pelo Buda Amithaba (disse) é usando uma pintura. Escolha uma representação dele que te agrade, pendure na parede, olhe para a obra todos os dias. Olhar para o Buda também é uma forma de absorver as suas qualidades.
O auditório onde o retiro rolou era simples - uma sala alugada. Os alunos decoraram a sala com flores e pinturas tradicionais (tangkas).
Depois da sugestão da professora, fiquei olhando em volta. Qual daquelas imagens eu escolheria?
Não precisei olhar muito. Minha preferida era uma de fundo preto na qual flores de lótus emergiam em bordados parecidos com hologramas iridescentes. Quando voltar para casa vou pintar o Buda Amithaba com um fundo preto
, decidi.
Diz a lenda que num sistema de mundos antigo, muito anterior ao nosso, existiu um monge dedicado e compassivo. Dharmakara tinha pureza no coração, e foi de dentro dela que fez uma aspiração sincera: quando finalmente se iluminasse, criaria uma terra pura, perfeita, para práticas espirituais. Os praticantes que tivessem devoção poderiam renascer lá para alcançarem qualidades elevadas e beneficiar outros seres, se assim desejassem.
Acontece que o monge Dharmakara se iluminou e virou o Buda Amithaba. Na tradição do budismo tibetano (vajrayana), sua terra pura chama Sukavati e fica a oeste.
Amithaba é um Buda lindo, vermelho, que segura nas mãos um vaso repleto de longevidade.
Pinto o Buda Amithaba na mesa da cozinha porque ainda estou muito fraca para caminhar até o atelier. Eu, o papel, as tintas e o café com leite.
É estranho pintar esta obra. Ao contrário de todas as outras, esta serve um propósito estritamente pessoal. Eu, a obra e mais ninguém envolvido. Ela não precisa ser bonita nem desconcertante nem bem-humorada nem nada. Estou fazendo esta obra para mim. Estou fazendo esta obra para encontrar Amithaba.
Buda Amithaba, quem é você? Será que você pode me proteger? Será que você pode me mostrar as suas bençãos, o seu amor, a sua sabedoria?
Amithaba, preciso de você. Amithaba, como é aí em Sukavati?
Sendo o Buda da Luz infinita, Amithaba só pode estar vestido de uma cor. Ele terá uma túnica amarela-dourada
, decido. Ele é a própria alegria, ele é a luz do sol. Não sei se vai ficar esteticamente bom, para ser sincera. Mas sei que toda a vez que eu olhar este amarelo, vou lembrar da alegria. E a alegria, a fabulosa alegria, é a Terra Pura e é a Luz Infinita. E isso diz
tanto.
Minha primeira descoberta é esta. A de que o lugar perfeito é um canto do universo onde existe alegria.
O mais difícil é pintar o rosto do Buda. Será que Amithaba sorri?
Na terra pura há seres imensamente lindos. Na terra pura há amor.
Portanto, na terra pura haverá gatos.
Não sei se o Buda Amithaba existe de verdade. Ele certamente existe ali, naquele espaço paradoxal onde a realidade e os desejos da minha mente se tocam. Mas para ser sincera, para ser muito sincera, acredito que Buda Amithaba
existe. E que Sukavathi é real. Toda vez que olho para o oeste
ou para a parede
um sol amarelo, tão brilhante quanto um tecido de seda
brilha por trás da minhas costelas
me manda um aceno
estou te esperando
minha amiga
minha querida
não precisa ter medo
nunca
mais.
Eu aceno de volta
já menos nervosa
já mais calma
Buda Amithaba, ainda bem que você chegou.
Vesak
Nesta segunda-feira, dia 12 de maio, é Vesak. Durante a lua cheia, comemoramos o nascimento, iluminação e paranirvana do Buda Shakyamuni.
Se tiver uma chance, pare um minuto e pense no Buda, calmo e tranquilo, cercado de gatos protetores num lugar bem bonito. Se der para desejar que outras pessoas e criaturas sejam felizes, melhor ainda. Seja lá no que você acredite, com certeza não faz mal parar um minutinho para fazer um pensamento bonito pelo mundo.
Inscrições abertas para a oficina de Escrita Reconectiva
Sonho antigo: finalmente criei um curso de escrita.
O Atelier de Escrita Reconectiva será um espaço para escrevermos juntos, em sessões curtas (trinta minutos) e com consistência - 4 vezes por semana, pelas manhãs. O atelier começa no dia 30 de maio e entra pelo mês de junho. Vamos escrever com nossa xícara de café com leite e nosso espírito matinal!
A estrutura do atelier foi baseada nas minhas práticas formais de meditação. Não é preciso ter projeto nem experiência de escrita - esta é uma oficina para destravar. Faremos uma exploração pelo nosso imaginário, reconhecendo paisagens internas e caminhando por elas de uma maneira amorosa.
O curso acontece online pela plataforma zoom e você pode se inscrever aqui, pelo meu site novo. Vagas limitadas.
Atelier de Escrita Reconectiva
30 maio - 27 de junho
8 - 8:30 da manhã (horário de Brasília)
Online
Site novo & obras
... finalmente. Depois de anos com um site que caía, não entrava e carregava devagar, temos agora um site novo, cheio de novidades. Quer me visitar?
-Prints de Buda Amithaba com gatos estão disponíveis. Detalhes por email - surinamariana@gmail.com
Maio no Sofá: Olhar
Ao longo deste mês, as edições so Sofá vão rolar em torno do tema Olhar. Na primeira edição, escrevi sobre o olhar suave de um desconhecido que adquiriu algumas das minhas pinturas. Esta semana aqui foi a vez de dividir com vocês o processo de criação de uma pintura do Buda Amithaba. Na próxima semana, quero falar sobre Avalokiteshvara, o bodisatva da compaixão, e seus mil braços com olhos nas palmas da mãos.
Recomendações
- Você tem uma Newsletter no Substack? Então esta cartinha da Verbena é muito útil para você:
- Este texto aqui da Mariana Vieira está comigo há semanas. Ele não quer me deixar:
Ah! E que vocês seja feliz, sempre. Até a próxima,
Lindo, te ler é sempre uma delícia.
Tão bom receber seus textos aos sábados e lembrar de contemplar a vida e a fé. Continuo te enviando vibrações de saúde e refazimento! Aliás, continuamos, porque aposto que meus 3 gatos se juntam nessa.