Vamos olhar para esta imagem aqui em cima: a mulher de vestido vermelho acordou mais cedo e deitou no sofá da sala para tomar café com leite exatamente às 7:43 da manhã. Vai ser um dia horrível, ela pensa, misturando a nuvem de fumaça do aquecimento global que aparece por trás da cortina transparente com as doze mensagens de ontem que ficaram por responder. De dentro da xícara sai um monstro. No fim do ano é sempre assim, é dezembro, e dezembro é tempo de papai noel e monstros e melancolias, mas no fim do ano também vêm as resoluções e as esperanças. No fim de ano vêm algumas esperanças, e da boca do monstro surge um pássaro rosa lindo que voa pelo céu, pelo amplo vasto céu onde ele está sempre lá, inevitável. O Olho do Sofrimento derrama suas lágrimas, numa tristeza que também são águas molhando o vaso de samambaia na sala onde a mulher de vestido vermelho deitou para tomar café com leite de manhã, ontem, e onde ela deitará todos os dias da vida, até o fim dos dias, sempre que puder.
Se cada experiência destrava a porta de outra experiência, então o sofrimento também deve abrir e fechar, alternando momentos terríveis abraçados a outros de extrema beleza. Em que ponto da roda você está?
Gosto de acreditar que em cima da roda fica o círculo da iluminação. Gosto de acreditar que há um lugar do lado de fora que não pertence ao movimento interminável, e gosto de acreditar que moro no círculo da iluminação enquanto também sou a mulher de vestido vermelho morando dentro da roda. Gosto de acreditar que estou tanto dentro como fora. Um dia, talvez, eu entenda precisamente o que tudo isto é - roda e círculo. Será que a roda vai andar mais devagar quando eu entender meu lugar fora dela? Será que a roda para? Ou será que a roda vai continuar girando girando girando e a diferença seja que eu, só eu, deixe de ficar tão tonta?
Notinhas
-Bem-vindx ao mês de dezembro aqui no Sofá. Em ritmo de final de ano, neste mês a newsletter vai ter uma editoria de textos curtinhos com minhas reflexões sobre estar viva no meio da roda interminável da vida dentro deste corpo humano.
-Acho que estou assim por causa do meu próprio movimento sem fim. Não se já contei, mas passei os últimos três meses viajando pelo Brasil para lançar meu livro novo & fazer um retiro muito especial. Ainda não voltei para casa: escrevo estas palavras num quarto de hotel em Barcelona, uma das cidades nas quais acompanho meu marido durante a última parte da turnê de um músico para o qual ele trabalha. Então o Sofá abraça a estrada, aceita a roda, e espero que vocês gostem destas minhas inquietações ao longo do último mês deste longo 2024.
-Em tempo: o músico de quem acabei de falar é o Sam Garret, e esta é uma música bem linda dele para você ouvir com uma xícara de chá (ou café com leite) naquele dia em que a roda estiver girando rápido demais.
-Além de escrever o Sofá da Surina, sou autora de dois livros bem lindos e que são um presente de natal bem maravilhoso. Você pode conhecer e comprar o 108 e O mundo sem anéis aqui (entregas para todo o Brasil).
-… ou, se preferir Kindle, você encontra meus dois livros no site da Amazon Brasil.
Ah! E que vocês sejam felizes, sempre,
Do lado de ca, te mando um beijo e um abraço do país que sei que você ama: Índia. 😘♥️
Sua passagem deste lado do Atlântico foi gloriosa. Que lindo poder ter a imagem mental completa de ti.
E meu cérebro tem certeza absoluta que nos encontramos em Brasília. Acho que são as pedras de Paraty que se desdobraram.
Sobre a pintura, fiquei muito tempo a olhando antes de ler ler o texto.
Obrigada pelo Sofá!